Florestan Fernandes
(...) No cenário de violência decorrente da repressão policial-militar, a morte trágica de Carlos Marighella ofuscou a trajetória de sua vida. Vítima da ditadura,caiu baleado em uma emboscada infame, arquitetada e realizada com apuro. Sua presença já havia incendiado a imaginação dos jovens e de ampla parte da geração adulta com inclinação radical. Todos queriam limpar o Brasil dessa nódoa e esperavam a oportunidade propícia a manifestações incisivas.
(...) No cenário de violência decorrente da repressão policial-militar, a morte trágica de Carlos Marighella ofuscou a trajetória de sua vida. Vítima da ditadura,caiu baleado em uma emboscada infame, arquitetada e realizada com apuro. Sua presença já havia incendiado a imaginação dos jovens e de ampla parte da geração adulta com inclinação radical. Todos queriam limpar o Brasil dessa nódoa e esperavam a oportunidade propícia a manifestações incisivas.
O Marighella dos primeiros anos fora tragado no tempo e o "último Marighella" acabou sendo mal conhecido no conjunto de sua produção teórica. Ele percorreu o caminho da disciplina, mas evoluiu na onda de rebelião contra os métodos de direção do PCB. Nas duas etapas, ligadas entre si, a aquisição de experiência política legal e clandestina e o florescimento autônomo da prática revolucionária fervem no horizonte intelectual de um combatente ardoroso.
Contudo, é o "último Marighella" que interessa mais vivamente ao estudioso da transformação e crise da esquerda revolucionária. Ele rasga uma concepção do mundo original no Brasil. Vincula a herança clássica do marxismo à efervescência do pensamento contestador latino-americano. Não copia o "modelo cubano", dele extraindo apenas ensinamentos básicos. Em roteiro próprio, prefere aproveitar os dados de uma situação histórica que pedia uma representação de síntese.
As circunstâncias eram propícias às tarefas a que devotou sua vocação crítica. A ditadura militar abriu brechas profundas em uma realidade sempre mistificada. A revisão histórica e política proporcionavam novas descobertas.
Ao golpear a sociedade constituída, a ditadura colocou em realce as debilidades do desenvolvimento capitalista e do Estado que favorecia os grão-senhores, da terra ou do exterior. O desmascaramento atingiu níveis audaciosos e originais.
Na outra ponta, o retraimento da direção do PCB exigia um ataque análogo. Nunca, antes, seus críticos chegaram tão longe ou foram tão inventivos. Nem mesmo os trotskistas faziam-lhe sombra, porque sua cisão mais importante trazia a marca de um paradigma teórico e prático também importado. Carlos Marighella alargou a teoria, para que nela coubessem as crueldades sofridas pelos de baixo; e estendeu a prática, incluindo nela coerência e firmeza. Porta-se com equilíbrio, ficando rente aos questionamentos essenciais.
Esse Marighella, que alcança a plenitude nos derradeiros anos, interessa a todos nós pela maneira de colocar a problemática do marxismo revolucionário no Brasil. Sua principal contribuição consiste em realçar a adequação política envolvida nas asperezas e nas possibilidades da sociedade brasileira. Sob muitos aspectos, aparece entre os grandes revolucionários da nossa época, que não assimilavam o marxismo passivamente, pois entenderam teoria e prática como resultantes de condições históricas específicas, combinadas a fins que se repetem em escala geral. Elaborou, desse modo, suas concepções de síntese, adequadas às atividades concretas, opondo-as às abstrações do padronizado ABC do comunismo. (...)
“A Contestação Necessária – Retratos Intelectuais de Inconformistas e Revolucionários”, coletânea de artigos e ensaios inéditos de Florestan Fernandes, publicada pela Editora Ática alguns meses após a sua morte do sociólogo-militante, ocorrida em 1995.
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